quinta-feira, 21 de abril de 2011

Sobre Sucatas

De Manoel de Barros.

Isto porque a gente foi criada em lugar onde não tinha brinquedo fabricado. Isso porque a gente havia que fabricar os nosso próprios brinquedos. Eram boizinhos de osso, bolas de meia, automóveis de lata. Também a gente fazia de conta que sapo era boi de cela e viajava de sapo. Outra era ouvir nas conchas as origens do mundo.

Estranhei muito quando, mais tarde, precisei de morar na cidade. Na cidade, um dia, contei a minha mãe que vira na praça um homem sentado num cavalo de pedra a apontar uma faca comprida pro alto. Minha mãe me corrigiu que não era uma faca, era uma espada. E que o homem era um herói da nossa história. Claro que eu não tinha educação de cidade pra entender que um homem sentado num cavalo de pedra era herói. Eram pessoas antigas da história que um dia salvaram a nossa Pátria. Pra mim aqueles homens em cima da pedra não passavam de sucata. Eram a grande sucata da história. Porque eu achava que uma vez no vento esses homens seriam como trastes, como pedaços de camisa ao vento. Lembrava dos espantalhos vestindo as minhas camisas. O mundo era um pedaço complicado para um menino que viera da roça.

Não vi nenhuma coisa mais bonita na cidade do que um passarinho. Vi que tudo que o homem fabrica vira sucata: automóvel, avião, televisão. E o que não vira sucata é árvore, rã, pedra. Até nave espacial vira sucata. Agora eu penso que até uma garça branca de brejo é mais bonita que uma nave espacial. Peço desculpas por cometer essa verdade.

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